Indenização por fixação do preço do álcool depende de perícia e prejuízo

Indenização por fixação do preço do álcool depende de perícia e prejuízo

A atuação do Estado sobre o domínio econômico por meio de normas de direção pode, potencialmente, atingir a lucratividade dos agentes econômicos. No entanto, a política de fixação de preços constitui, em si mesma, uma limitação de lucros, razão pela qual eventual dano deve ser indenizado considerando-se somente o efetivo prejuízo econômico, apurado por meio de perícia técnica.

Com esse entendimento e por maioria simples, o Plenário virtual do Supremo Tribunal Federal definiu, no julgamento do ARE 884.325, que as empresas do setor sucroalcooleiro só devem ser indenizadas pela União se comprovarem efetivamente o prejuízo causado pelo tabelamento dos preços entre os anos de 1985 e 1999. O julgamento foi encerrado na segunda-feira (17/8).

O valor fixado pelo governo no período esteve abaixo do indicado pela Fundação Getúlio Vargas, que foi contratada para estabelecer uma média a partir de pesquisa de mercado. O precedente muda a jurisprudência do STF, que desde 2006 tem reconhecido a responsabilidade da União e concedido indenização.

Em junho, em seminário sobre o tema promovido pela TV ConJur, a ex-Advogada Geral da União, Grace Mendonça, informou que, em quase 15 anos, o Supremo decidiu da mesma forma 40 casos, sem qualquer desvio. Ao todo, 138 precatórios foram expedidos, 61 ações transitaram em julgado e 72% das ações já estão acobertadas pelo manto da coisa julgada.

Prevaleceu no julgamento do ARE 884.325 o voto do relator, ministro Luiz Edson Fachin, que foi acompanhado pelos ministros Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. A tese fixada foi: 

É imprescindível para o reconhecimento da responsabilidade civil do Estado em decorrência da fixação de preços no setor sucroalcooleiro a comprovação de efetivo prejuízo econômico, mediante perícia técnica em cada caso concreto

Ficaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Marco Aurélio e Luís Roberto Barroso. Esteve impedido o ministro Dias Toffoli e não participou da votação o decano, ministro Celso de Mello.

Mudança de entendimento

Segundo o voto do relator, apesar de ter consolidado sua jurisprudência em torno de um precedente da lavra do ministro Carlos Velloso em 2006, o Plenário do Supremo nunca chegou a examinar se o critério a ser observado para apuração do dano deveria ser a tabela da Fundação Getúlio Vargas ou o efetivo prejuízo contábil.

Assim, o fato de a União ter fixado preços abaixo da tabela de custos da FGV implica em dano injusto, porque a Lei 4.871/65 obrigava a fixar preços observada a mensuração dos gastos. Por outro lado, o valor da indenização deve ser apurado de maneira fática, porque o critério jurídico não pode ser o único parâmetro para sua definição.

“Noutras palavras, o dano causado pela política de fixação de preços refere-se ao prejuízo econômico sofrido pelos agentes econômicos. A indenizabilidade do dano deve, por conseguinte, ser materialmente comprovada. A mera limitação do lucro não consubstancia dano injusto e, como tal, não dá direito à indenização”, concluiu o relator.

A tese segue a mesma linha do que foi decidido pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 2015, em recursos repetitivos. O STJ julgou o mesmo caso, referente à mesma usina, e sob a relatoria da ministra Eliana Calmon decidiu que a atingida deveria provar perdas com controle de preços para receber indenização.

Divergência

Os ministros que votaram com a divergência ressaltaram que, sem inovações calcadas em alterações contextuais relevantes, não há motivo para fazer o overruling da jurisprudência tranquila do Supremo. 

Para o ministro Ricardo Lewandowski, embora a intervenção no domínio econômico seja uma possibilidade constitucional, o exercício dela deve respeitar os princípios e fundamentos da ordem econômica de modo a não ferir a livre iniciativa e, consequentemente, o Estado Democrático Direito. E não foi isso que aconteceu com o setor sucroalcooleiro, em sua opinião.

Já o ministro Luiz Fux ressaltou que o dano causado pela intervenção da União abrange não só o que foi perdido, mas inclui o que os agentes econômicos deixaram de lucrar. A fixação de preços foi prejudicial a todos, mas os que eventualmente tenham sido eficientes de modo a minimizar as perdas serão agora os que menos serão ressarcidos, pois tiveram menos prejuízo.

“Estar-se-ia a premiar agentes econômicos ineficientes que não conseguiram se adaptar adequadamente às imposições da União. Essa solução não apenas viola os critérios normativos e constitucionais, como a liberdade econômica e a livre concorrência (Artigo 170 da Constituição), como também traz injustiça ao caso concreto”, disse o ministro Fux.

Caixa de Pandora processual

No seminário da TV ConJur em junho, Gustavo Binembojn, professor titular de Direito Administrativo da Uerj, chamou a atenção para que essa decisão do Supremo poderia abrir uma “Caixa de Pandora processual”. Isso porque outros setores que podem pleitear indenização por atos da União podem recorrer ao STF, e esse precedente vai orientar as análises.

“Toda vez que uma corte cede à tentação de responder a restrições fiscais contingentes de uma determinada conjuntura econômica usando de seu poder para rever jurisprudência consolidada e talvez cedendo a necessidades ou pressões do momento, as consequências em termos processuais são incalculáveis. E extraprocessuais, até mais grave. O barato sai caro”, opinou.

“Quando consideramos que soluções distintas para casos idênticos envolvendo determinado setor produtivo acabam gerando um descompasso na perspectiva concorrencial — pois no caso todas as empresas disputam o mesmo segmento de mercado — a reafirmação da jurisprudência é algo que acaba tendo um valor diferenciado”, disse a ex-AGU Grace Mendonça.

Tributarista e professor titular de Direito Financeiro da USP, Fernando Facury Scaff — que foi citado no voto vencedor do relator —, ressaltou que o impacto da decisão vai ultrapassar o setor sucroalcooleiro e atingir toda a sociedade. “Pode modificar a situação de uma jurisprudência já posta sem uma justificativa que ampare essa mudança. E mais: com problemas para todo o setor que já teve julgamentos feitos”, afirmou, na ocasião (Fonte: CONJUR).

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