Numa decisão histórica, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acaba de dar o aval para a amortização do ágio na base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Este é um marco inédito no âmbito judicial e representa uma conquista significativa para os contribuintes.
A 1ª Turma do STJ, por unanimidade, confirmou a possibilidade de deduzir as despesas relacionadas à amortização fiscal do ágio em transações realizadas de acordo com as condições estabelecidas na lei 9.532/97.
O ágio é formado quando uma empresa adquire outra por valor superior ao de seu patrimônio líquido, passando, então, a deduzir a diferença da base tributável do IRPJ e da CSLL. No caso concreto, a Merrill Lynch, investidora estrangeira, aportou recursos na Cremerpar, apontada como empresa veículo, que realizou uma Oferta Pública de Ações (OPA). Posteriormente, a Cremerpar foi incorporada pela Cremer, em um processo conhecido como incorporação reversa.
O TRF4 validou a reorganização societária, permitindo a amortização do ágio, e a Fazenda Nacional recorreu. Para a Fazenda, as operações não tiveram substância econômica, tendo sido realizadas apenas com o intuito de obter a vantagem fiscal da amortização de ágio.
A representante da Fazenda Nacional, Caroline Silveira Marinho, defendeu em sustentação oral que o ágio gerado nas operações é “fruto de planejamento tributário abusivo” e que houve “fabricação de despesas” para fins de dedução indevida.
Confusão patrimonial
Em seu voto, o relator, ministro Gurgel de Faria, afirmou que a Lei 9532/1997 e a Lei 12973/2014, que tratam dos requisitos para amortização de ágio, exigem apenas a confusão patrimonial entre quem detém a participação societária e a empresa adquirida, não fazendo referência à figura do real adquirente, ou seja, uma empresa investidora que seria a verdadeira compradora e criou a empresa veículo apenas para viabilizar a formação do ágio.
Para o ministro, a mera existência de uma empresa veículo não impediria a amortização do ágio. Ainda segundo Faria, a formação de ágio interno, ou seja, entre empresas do mesmo grupo econômico, também não seria proibida até 2014, quando o artigo 22 da Lei 12.973 passou a vedar expressamente a amortização nesta hipótese.
Para o ministro, o mais importante, em casos de ágio, é investigar se houve efetiva aquisição de participação societária, se o ágio está fundado em expectativa de rentabilidade futura e se houve confusão patrimonial. Ele entendeu que, no caso concreto, houve cumprimento dos requisitos legais. Faria, então, permitiu a amortização do ágio, dando parcial provimento ao recurso da Fazenda apenas para afastar uma multa aplicada com base no artigo 1.026, parágrafo 2°, do Código de Processo Civil (CPC), por interposição de embargos de declaração protelatórios. A posição foi acompanhada de forma unânime pela turma.
Precedente
Representante da Cremer, o advogado Guilherme Pereira das Neves, do Neves & Battendieri, considerou a decisão do colegiado um precedente relevante. “Vejo como importante para a atração de bons investimentos para o país, para dar segurança jurídica. Os casos que envolvem sacrifício econômico real, investidor estrangeiro e holding sendo incorporada, para mim ficou muito claro que a Receita não vai poder atacar. O fisco tem que demonstrar que houve simulação, que houve uma artificialidade”, comentou.
O tema da amortização de ágio da base do IRPJ/CSLL é uma das principais controvérsias no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Nos casos de ágio interno, particularmente, são recorrentes os empates e a aplicação do voto de qualidade. A decisão desta terça-feira (5/9) não vincula o Carf, uma vez que o julgamento não se dá sob o rito dos recursos repetitivos. No entanto, o precedente pode influenciar decisões de conselheiros do tribunal administrativo.
Processo: REsp 2026473/SC