Honorários contratuais como verbas alimentares

Honorários contratuais como verbas alimentares

O ordenamento jurídico disciplina a natureza onerosa e alimentar dos honorários.

Dispõe o §14 do art. 85 do CPC/15: “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”. Na mesma linha, os dispositivos da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB), consoante disposto no arts. 22, § 4º, e 23.

Registra-se que mesmo sem contrato formal de honorários advocatícios, em face de mandato conferido e da atuação jurídica ou efetiva prestação de serviços pelo causídico, incide o art. 658 do Código Civil, que trata da onerosidade do mandato quando o objeto corresponde ao exercício de profissão liberal pelo mandatário, o que se inclui a atividade advocatícia.

Decerto, os honorários advocatícios, sejam originados em contrato, sejam resultantes de decisão judicial, têm a mesma finalidade, isto é, o sustento e a sobrevivência do advogado. Na essência, não há diferença finalística entre a verba oriunda do contrato e aquela fixada em sentença judicial.

De fato, em virtude das normas jurídicas disciplinadas no §14 do art. 85 do CPC e dos arts. 22, § 4º, e 23 do Estatuto da OAB, resta evidente que tanto os honorários sucumbenciais quanto os contratados enquadram-se no conceito de verba de natureza alimentícia, tendo em vista que constituem a remuneração do advogado, tratando-se, ambos, de crédito privilegiado.

O próprio legislador não fez distinção acerca da origem dos honorários do profissional liberal da advocacia, ou seja, tanto os sucumbenciais ou contratuais são de natureza alimentar, pois representam verba decorrente da contraprestação de sua atividade advocatícia ou o preço devidamente pago ao longo de sua atuação, muitas vezes demorada no tempo, por meio da qual o patrono provê o seu sustento e de sua família.

Ressalte-se que a Ordem dos Advogados do Brasil, no PSV 85/DF, ajuizado no Supremo Tribunal Federal, sublinhou a natureza alimentar dos honorários advocatícios incluídos na condenação e/ou destacados do montante principal do patrocinado, cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada a ordem especial restrita aos créditos dessa natureza.

Nesse sentido, vale trazer à baila posicionamento do STF que reconheceu a natureza autônoma e o caráter alimentar dos honorários contratuais, conforme tese definida no RE 564.132, DJE 27 de 10-2-2015, Tema 18, de que os “honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza”.

A Suprema Corte brasileira vem — ao menos desde o ano de 1996 — assentando a natureza alimentar dos precatórios referentes aos honorários advocatícios (Rcl 23.796, DJE 28 de 13-2-2017). Já afirmou o Min. Roberto Barroso que a “natureza autônoma e o caráter alimentar são comuns aos honorários sucumbenciais, por arbitramento judicial e contratuais” (RCL 26.259, DJE 01/06/2017).

Por sua vez, o Min. Fux decidiu que “assiste ao advogado o direito de requerer, em separado, a execução dos honorários — verba que lhe pertence e que possui natureza alimentar —, haja vista a inexistência de acessoriedade em relação ao crédito principal e, ainda, a circunstância de ser titularizado por credor diverso do titular da verba principal” (Rcl 21.516DJE 171 de 1º-9-2015). Da mesma forma, “estabeleceu uma ordem de preferência na expedição dos precatórios de natureza alimentar, reconhecendo esta natureza também à verba honorária a ser quitada por meio de requisitório, nos termos do art. 100, §§ 1º e 2º, da CF/1988” (Rcl 30.833, DJE 153 de 1º-8-2018).

Assim dispõe a Súmula Vinculante n. 47 do STF: “Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza”.

Nos termos da jurisprudência do STF citada, a matéria encontra-se fundada em duas das características da verba honorária advocatícia: (i) a autonomia do crédito em relação àquele devido à parte patrocinada, por pertencer a um outro titular; e (ii) a natureza alimentar da parcela.

Contudo, bem recentemente, com base no art. 100, §8º, da CF, que veda a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de RPV ou precatório, o STF assentou a inviabilidade da aplicação do teor do Enunciado Vinculante 47 aos honorários contratuais (ARE 1374239, DJe-157 Divulg. 08-08-2022; Rcl 47117 AgR, DJe-106, Divulg. 02-06-2021; Rcl 45903, DJe-085 Divulg. 04-05-2021; RE 1277593, DJe-258 Divulg. 26-10-2020).

Com esse fundamento, na prática, inviabiliza-se o caráter alimentar do precatório expedido referente aos honorários contratuais, pois se entende pela impossibilidade de que o advogado da parte vencedora receba os honorários advocatícios decorrentes de contrato a partir do destacamento, independentemente do crédito principal, ou seja, as decisões mais recentes não permitem a expedição do precatório para pagamento de honorário contratual dissociado do crédito principal a ser requisitado.

Com efeito, essa reviravolta jurisprudencial ou virada linguística professa a máxima que o acessório seguiria o principal e, por conseguinte, a sistemática de expedição de ofícios requisitórios, com destaque da verba honorária contratual, não permite a expedição de precatórios distintos, devendo o destaque dos honorários contratuais seguir a sorte do crédito originário do cliente vencedor.

Nada mais equivocado do que esse novo entendimento. A proibição constitucional do fracionamento do valor da execução para fins de enquadramento de RPV ou precatório, por si só, não autoriza a exoneração de cumprimento da legislação que estabelece os honorários contratuais como verbas alimentares, preferenciais na ordem de pagamento e privilegiada na falência, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.

Na forma da lei, os honorários contratuais não são obrigações acessórias e os valores percebidos pelo cliente em caso de vitória no pleito judicial não são obrigações principais para fins de obediência ao princípio da gravitação jurídica acessorium sequeatur principale de sorte que a obrigação contratual do cliente de pagar o causídico possui um caráter autônomo e independente em relação à obrigação do ente público pagar efetivamente o vencedor da causa judicial, havendo o dever do constituinte de pagar o causídico que contribuiu na postulação de decisão favorável, podendo o patrono requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor. Nesse rumo, por exemplo, ainda que não existisse a obrigação do ente público de pagar o cliente do advogado ou em casos de acordo feito pelo cliente e a parte contrária, pode haver obrigação financeira contratual com o advogado a ser adimplida e o cliente deve observá-la, salvo na hipótese de aquiescência do profissional liberal.

Assim sendo, viola-se claramente a natureza alimentar dos honorários advocatícios contratuais prevista expressamente na legislação (§14 do art. 85 do CPC e arts. 22, § 4º, e 23 da Lei nº 8.906/1994) e, caso se entenda de forma contrária, os tribunais devem observar o que dispõe a Súmula Vinculante nº 10, em atenção à reserva de plenário (art. 97, CF), pois o aviltamento dos honorários advocatícios importaria no afastamento de normas infraconstitucionais legítimas, que ocorreria em franco e inequívoco prejuízo de toda a categoria dos advogados, ultrapassando os interesses subjetivos do processo, prejudicando toda a classe.

Além disso, os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, na forma prevista no artigo 83, inc. I, da Lei n. 11.101/2005, e prefere ao crédito tributário de acordo com o art. 186 do CTN. Nesse sentido, os honorários advocatícios decorrem da estipulação de um contrato formal de honorários e/ou de mandato, com a delegação de poderes de representação em juízo e a possibilidade de cobrança de acordo com previsões específicas do Estatuto da OAB e do CPC. No seu mister, o advogado exerce função social, presta serviço público e seus atos constituem múnus público.

Nesse ínterim, a atividade profissional do advogado é de relevância constitucional e topograficamente se encontra entre as funções essenciais à justiça (art. 133 da CF), sendo indispensável à administração da justiça. Assim sendo, o advogado é um profissional de formação técnica especializada que promove a garantia constitucional fundamental do acesso à justiça, e, não só, o intérprete e aplicador do Direito deve proteger o exercício da advocacia como atividade essencial ao sistema de justiça.

Entende-se, portanto, que a Súmula Vinculante 47 do STF não é impeditiva de dedução de honorários contratuais e, diante do disposto no §14 do art. 85 do CPC, é direito límpido e cristalino do patrono da causa ter como reconhecida a aplicação da legislação no sentido da expedição dos precatórios referentes aos honorários advocatícios contratuais com a anotação de natureza alimentar e, por conseguinte, preferencial.

Destarte, impedimento algum há, seja constitucional ou legal, para que o advogado, titular de precatório referente aos honorários advocatícios, perceba a sua parcela de forma distinta legalmente da do cliente, podendo, portanto, cumpridos os requisitos do art. 100, § 2º, da CF, receber seu pagamento de forma preferencial. Logo, os honorários são direito autônomo e privilegiado do advogado, permitida a submissão a rito diverso do principal e à expedição do precatório do valor destacado atinente aos honorários contratuais observada a ordem especial restrita aos créditos de natureza alimentar.

Edvaldo Nilo de Almeida é pós-doutorando em Direito Financeiro e Tributário pela Uerj, Doutor em Direito Público pela PUC-SP e procurador do Distrito Federal.

Fonte: Estadão