O ministro da Economia, Paulo Guedes, criou na sexta-feira (9/10) as Câmaras Recursais, no âmbito da Receita Federal, para o julgamento de processos administrativos tributários de até 60 salários mínimos. Com isso, os casos de menor valor não serão julgados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que terá o foco nos processos maiores. A mudança foi publicada na Portaria 340/2020 e entra em vigor em 3 de novembro.
Com a mudança, as Câmaras Recursais representarão a última instância administrativa para casos menores, sem a possibilidade de recurso para análise do Carf. Atualmente os casos de pequeno valor representam a maioria dos processos.
Tributaristas criticam a falta de previsão de sustentação oral para os contribuintes na nova sistemática e a falta de publicidade dos julgamentos, que serão virtuais e sem previsão de abertura ao público. Além disso, os julgamentos serão feitos somente por auditores da Receita Federal, sem a presença de representantes dos contribuintes, como no Carf.
Segundo Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon, há uma “ilegalidade clara” ao não ser permitido o uso das sustentações orais pelos contribuintes. “Teremos problemas com o contraditório e ampla defesa. Aumentaram a estrutura no âmbito da Receita Federal, mas não há previsão do advogado participar ativamente. Na Delegacia de Julgamento (DRJ) já é muito difícil para termos acesso. Não sei como vamos conseguir estabelecer o contraditório”, afirma o advogado.
Atualmente os casos de até 60 salários mínimos são julgados nas turmas extraordinárias, por meio de julgamentos virtuais, e podem chegar à Câmara Superior, última instância do Carf, por meio de recurso especial. O advogado Leandro Cabral e Silva, sócio do Velloza Advogados, questiona se as turmas extraordinárias serão extintas ou transformadas em turmas ordinárias.
Ele acrescenta que a falta de possibilidade de sustentação oral é um problema, mas afirma que isso poderia ser resolvido com a disponibilização de um link para que o advogado tenha acesso ao julgamento, como acontece atualmente no Carf nas sessões virtuais durante a pandemia causada pela Covid-19.
Para Bruno Aguiar, sócio do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, o contribuinte com pequenos casos sofre uma “supressão” do direito ao recurso ou julgamento em segunda instância. Na prática, explica o advogado, com as Câmaras Recursais os julgadores do mesmo tribunal revisitarão o caso, sem independência entre as instâncias.
“60 salários mínimos para um cidadão comum, na média brasileira, é muito dinheiro. Essa supressão de direito impacta a maior parte da população brasileira”, conclui o tributarista.
Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich e Vasconcelos Advogados, destaca o artigo 35 da portaria, que prevê que os votos pelas conclusões precisam ser fundamentados como parte integrante do acórdão. Esse tipo de voto é proferido quando o julgador concorda com o resultado do processo, mas não com o fundamento que levou ao resultado do caso.
“Essa é uma medida de transparência que possibilita à sociedade entender os exatos fundamentos que levaram o julgador a proferir aquela decisão, o que aumenta a segurança jurídica dos contribuintes”, afirma o tributarista.
Ele conclui que a necessidade do uso das súmulas e resoluções do Carf gera uma “coerência sistêmica” e permite a “aplicação de entendimento firmado por colegiado paritário aos casos considerados de pequeno valor”.
Nova Estrutura
Apesar das Câmaras Recursais estarem no âmbito da Receita Federal, os julgadores deverão aplicar as súmulas do Carf. Isso também é visto com preocupação para os contribuintes, já que a Receita Federal e o Carf possuem entendimentos distintos para determinados temas tributários.
Com a nova estrutura, a impugnação para pequenos casos será apresentada às delegacias de julgamento da Receita Federal (DRJs) e os contribuintes podem recorrer às Câmaras Recursais para uma nova discussão do processo, entretanto sem a possibilidade de sustentação oral.
Apesar das críticas, tributaristas também apontam a possibilidade de o Carf ter mais tempo e foco para a discussão dos casos mais valiosos.
A portaria faz parte de uma regulamentação necessária após a lei 13.988/2020, que trata da negociação da dívida tributária, exigir, em seu parágrafo 23, uma definição do Ministério da Economia para o julgamento de casos de pequeno valor (Fonte: JOTA).