Natureza jurídica dos royalties de petróleo e gás natural

royalties de petróleo e gás natural

A expressão natureza jurídica remete à compreensão do enquadramento dos royalties de petróleo e gás no campo maior da teoria do geral do direito com vistas a identificar os elementos conceituais que o peculiarizam e permitem a aplicação de um regime jurídico próprio e adequado. Dessa forma, o enquadramento dos royalties numa determinada categoria é o primeiro passo para se entender qual o conjunto de normas que lhe são aplicadas. Em outras palavras, a compreensão do que seja a natureza jurídica permite identificar seu regime jurídico, este compreendido como o conjunto de normas que lhes sejam aplicáveis. E, a partir daí, pode-se obter sua classificação e compreensão no campo do Direito, bem como a delimitação da ordenação estatal dos comportamentos humanos mediante o direito posto.

Assim, entende-se que a natureza jurídica dos royalties de petróleo e gás, nos termos da legislação vigente, é de compensação financeira de natureza originária e não tributária, tendo como objetivo ressarcir os entes federativos por suportarem a presença das instalações de petróleo e gás em si, a produção, a exploração ou a movimentação no solo ou no subsolo de seus respectivos territórios, zonas limítrofes, zonas confrontantes, zonas secundárias e as consequências ambientais e sociais advindas dessa exploração. O recebimento da compensação é um direito constitucionalmente garantido aos entes federativos que sofrem os danos ambientais diretos ou indiretos decorrentes do desenvolvimento da produção ou movimentação do petróleo e gás natural, em razão do ônus que os mesmos têm que suportar quando da referida  exploração.

De fato, o §1° do artigo 20 da Constituição, na redação atual dada pela Emenda Constitucional nº 102/2019, assegura aos entes federativos a titularidade do direito à participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, garantindo a eles a participação no resultado ou a compensação financeira por essa exploração. Relevante mencionar que a Política Nacional do Petróleo foi criada pela Lei n° 2.004/53, que previu, em seu artigo 27, a obrigação da sociedade e suas subsidiárias a pagar trimestralmente a compensação financeira indenizatória aos estados, Distrito Federal e municípios, correspondente a 5% sobre o valor do óleo bruto, do xisto betuminoso e do gás extraído de seus respectivos territórios, onde  se fixar a lavra do petróleo ou se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou de gás natural, operados pela Petrobras, sendo 70% aos estados produtores, 20% aos municípios produtores e 10% aos municípios onde se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto e/ou gás natural. Na mesma esteira, tem-se o Decreto n° 01/91, que estabelece a compensação financeira aos Municípios onde se localizarem as instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou gás natural será devida na forma legal. No ponto, cabe esclarecer que a compensação financeira, indicada nos dispositivos legais supratranscritos, passou a ser chamada de royalties a partir da publicação da Lei n° 9.478/97, a qual manteve os critérios de distribuição do valor mínimo de 5%, conforme previa a Lei 7.990/89.

Sob a denominação de participações governamentais, o artigo 45 da Lei 9.478/1997 prevê quatro diferentes espécies de pagamentos que a empresa concessionária ou extratora deverá pagar: a) bônus de assinatura; b) royalties; c) participação especial e d) pagamento pela ocupação ou retenção de área. Dessa forma, royalties pode ser definido como preço público pago ao proprietário do recurso natural não renovável que for extraído, inserido ou consumido no processo produtivo ou no processo de exploração desse bem, isto é, tem vinculação com a produção ou exploração de petróleo, gás natural e de outros hidrocarbonetos fluídos. Tanto no sistema de exploração por contratos de concessão, quanto no de partilha, existem royalties a serem pagos ao entes federativos.

Importante, assim, destacar que as receitas de royalties de petróleo e gás diferem completamente das receitas tributárias. Portanto, não se aplicam as demandas compensatórias de petróleo e gás natural os dispositivos do Código Tributário Nacional, pois tais verbas compensatórias são receitas originárias ou receitas de natureza não tributária, auferidas pelo Estado em decorrência da exploração do próprio patrimônio (receitas patrimoniais). De fato e de Direito, os royalties de petróleo e gás se apresentam como receitas originárias, decorrentes da exploração mesmo que indireta ou produção das próprias riquezas do ente público federado beneficiado com a correspondente compensação. Isto é, não são tributos e nem receitas derivadas da exploração do patrimônio particular ou, nos tributos contraprestacionais, do pagamento pelo contribuinte em contraprestação de serviços públicos prestados [1]. Logo, na condição de receitas originárias, os royalties são receitas buscadas na via privada, de modo que os contratos que envolvem a recuperação destas receitas não devem ser consideradas, a priori, como receitas públicas vinculadas, pois fazem parte do patrimônio disponível do ente estatal.

Por fim, relevante evidenciar o papel da ANP na concretização do direito dos entes públicos às compensações financeiras distribuídas pela União   na forma de royalties. A ANP é uma agência reguladora do setor de exploração da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis no país e, como tal, possui competência regulamentar restrita aos atos de regulação técnica das atividades do setor. Decerto, a ANP não é competente para pagar as verbas de royalties, uma vez que essa incumbência recai sobre a Secretaria do Tesouro Nacional. O encargo da ANP é organizar e regulamentar a forma e a distribuição do repasse dessa verba, não agindo, portanto, como fonte pagadora. É o que está definido na Lei nº 9.478/97, que institui e delimita a atuação da agência, em seu artigo 8º. Não há, nas atribuições da ANP definidas por lei, qualquer menção ao pagamento de royalties aos entes federados, uma vez que esse encargo recai sobre a Secretaria do Tesouro Nacional, como dispõe o Decreto 2.705/98, em seu artigo 20, ao dispor que os recursos provenientes dos royalties serão distribuídos pela STN, do Ministério da Fazenda, com base nos cálculos  dos valores devidos a cada beneficiário, fornecidos pela ANP, na forma legal.

A ANP, portanto, tem a atribuição, nos termos da lei, de incluir os entes federativos em cada motivo enquadramento e fornecer os cálculos dos valores devidos pela STN aos beneficiários, mas é a Secretaria da União que tem a função  de distribuir essa verba. A ANP, igualmente, não aufere receita diretamente da exploração de petróleo e gás natural e os valores referentes às participações governamentais são mantidos na Conta Única do Governo Federal, como dispõe o artigo 29 do mesmo Decreto 2.705/98, de que o pagamento das participações governamentais será efetuado pelos concessionários nos prazos estipulados em Decreto, em moeda corrente ou mediante transferência bancária e as receitas correspondentes mantidas na Conta Única do Governo Federal, enquanto não forem destinadas para as respectivas programações. Nesse rumo, a atividade desempenhada pela ANP consiste em realizar e fornecer o cálculo do valor a ser percebido pelo ente público que, com efeito, é repassado ao credor pela Secretaria do Tesouro Nacional. Assim, por exemplo, a ANP não possui nem de longe legitimidade ativa ou capacidade ativa para requerer a restituição de valores decorrentes de decisões judiciais, uma vez que nada paga a esse título, o que só poderia ser feito, em tese, pela União.


[1] No mesmo sentido: ADI 4.846, relator ministro Edson Fachin, DJE de 18-2-2020; ADI 4.606, relator ministro Alexandre de Moraes, DJE de 6-5-2019; RE 228.800, relator ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 16-11-2001; AI 708.398 AgR, relator ministro Cármen Lúcia, DJE de 1º-3-2011;MS 24.312, relator ministro Ellen Gracie, DJ de 19-12-2003.

Fonte: CONJUR