A definição de ente paraestatal no Direito Administrativo e Penal Brasileiro

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Artigo “A definição de ente paraestatal no Direito Administrativo e Penal Brasileiro” do sócio Edvaldo Nilo de Almeida ganha destaque no Migalhas, portal de notícias jurídicas, políticas e econômicas.

A palavra “paraestatal” é composta de duas partículas: “para”, que tem origem grega e designa “ao lado de”, e “estatal”, que tem origem latina e designa Estado. A partir da etimologia da palavra, Cretella Júnior (1980, p. 140) concluiu que paraestatal “não se confunde com o Estado, porque caminha lado a lado, paralelamente” a ele.

A origem da palavra não contribui para o estabelecimento de um conceito doutrinário único de ente paraestatal. Pelo contrário, Di Pietro (2019, p. 300) observa que “não existe uniformidade de pensamento entre os autores na definição das entidades paraestatais”. Carvalho Filho (2019, p. 434-434), por sua vez, apresenta seis diferentes correntes doutrinárias a respeito do conceito de entidades paraestatais.

Ruy de Souza (1952, p. 10-37), em texto de máximo relevo entre os estudiosos do direito administrativo, também destaca a confusão terminológica de ente paraestatal na doutrina e registra o seguinte conceito: “a terminologia deverá reter o conceito de ente paraestatal no limite dos caráter quase público, exercendo serviços de interesse coletivo, reconhecidos, ou mesmo organizados pelo Estado, mas entregues a uma administração privada, sem patrimônio constituído exclusivamente pelo Estado e sem poder de coação. Não importa a fórmula de organização: sociedade de economia mista, fundação ou mera sociedade civil ou comercial. As normas a que se sujeitariam não seriam constante de regime especial peculiar ao Direito Público. Estariam nesse caso, pois, a Cia. Siderúrgica Nacional de Volta Redonda, a Cia. Vale do Rio Doce, a Legião Brasileira de Assistência, as fundações universitárias ou hospitalares, a sociedade de Assistência à Maternidade e à Infância, etc.”

Por outro lado, Themístocles Brandão Cavalcanti (1956, p. 106-107) parte da comparação entre os conceitos de entidades paraestatais e entidades autárquicas para concluir que “a expressão paraestatal afasta mais a entidade da estrutura administrativa do estado, pressupõe menores laços de subordinação, enquanto que a outra – autarquia – indica apenas uma autonomia administrativa, mas não exclui a subordinação hierárquica e de organização”.

Hely Lopes Meirelles (2003, p. 362), por sua vez, conceitua entes paraestatais como pessoas jurídicas de direito privado, cuja criação é autorizada por lei específica “com patrimônio público ou misto, para realização de atividades, obras ou serviços de interesse coletivo, sob normas e controle do Estado” e insere as empresas estatais, as fundações públicas e os serviços sociais autônomos nesse conceito.

Di Pietro (2019, p. 307) critica o enquadramento dos serviços sociais autônomos no conceito de entes paraestatais de Lopes Meirelles, “em primeiro lugar, pelo sentido etimológico da expressão; em segundo lugar, porque está incluindo na mesma categoria entidades de natureza jurídica diferente, ou seja, pessoas jurídicas que fazem parte da administração pública indireta e entidades privadas que se situam fora do âmbito estatal, como é o caso dos serviços sociais autônomos”. 

Entende-se se que o parâmetro legal adequado para a conceituação de ente paraestatal encontra-se expressamente no artigo 84, § 1º, da lei 8.666/93, quando a lei de licitações e contratos administrativos conceitua “servidor público” para fins de enquadramento das sanções administrativas e penais estabelecidas na norma.

Essa norma equipara a servidor público aquele que exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, “assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público”.

De um lado, a norma afasta as entidades autárquicas do conceito de entidade paraestatal, uma vez que as autarquias, embora situadas na administração indireta, têm natureza jurídica de direito público e mantêm praticamente todas as características da administração direta, pois, por exemplo, gozam de benefícios processuais, pagam seus débitos judiciais por meio de precatório, são custeadas pelo orçamento público, possuem poder de polícia, dentre outras características da administração direta.

Por certo, o artigo 84, § 1º, da lei 8.666/93, também afasta acertadamente os serviços sociais autônomos do conceito de ente paraestatal, pois essas entidades não fazem parte da administração direta ou indireta e são pessoas jurídicas de direito privado.

Registra-se, ainda, que tal conceito legal é abrangente apenas de pessoas jurídicas de direito privado que fazem parte da administração indireta, ou seja, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas de direito privado e, além disso, é totalmente compatível com o parágrafo único do art. 1º da lei 8.666/93 que exclui diretamente do seu âmbito de incidência material os serviços sociais autônomos, por exemplo.

Esse conceito de ente paraestatal, portanto, afasta-se igualmente do conceito de “terceiro setor” na medida em que o primeiro setor aceita a presença de entidades que compõem a estrutura administrativa do Estado (empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas de direito privado) e o segundo setor abrange pessoas jurídicas com fins empresariais, ou seja, compõe o terceiro setor as pessoas jurídicas de direito criadas autonomamente e independente sem participação estatal e sem fins lucrativos.

Por sua vez, registra-se, ainda, que, nos termos do §1º, do art. 327, do Código Penal (CP), equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da administração pública.

Dessa maneira, por exemplo, entende-se que os servidores das entidades do Sistema “S” não devem ser equiparados aos servidores públicos, pois, além de possuírem personalidade jurídica de direito privado, conforme já decidiu em repercussão geral o STF (RE 789874, DJe-227, publicado em 19-11-2014), não são e não devem ser controladas pelo Estado e, também, não exercem atividade típica de Estado. 

Além disso, os recursos repassados pelo Estado aos serviços sociais autônomos não configuram recursos públicos, por jamais ingressarem nos cofres da União, que apenas fiscaliza, arrecada e repassa as contribuições. Ademais, o fato de o Sistema S ser considerado de interesse social por si só não atrai a aplicação da lei Penal.

Nos termos do Código Penal, a equiparação com os servidores públicos deve se dar em relação aos empregados das paraestatais. Adota-se, portanto, o artigo 84, § 1º, da lei 8.666/93, que é norma jurídica tipicamente administrativa.

Logo, mesmo que fomentadas pelo Estado e exercendo atividades de interesse social, as entidades do Sistema “S” não são incluídas no conceito de paraestatal e, por isso, os empregados dos serviços sociais autônomos não podem ser equiparados a funcionário público, para fins penais, em razão do princípio da tipicidade e, substancialmente, porque a norma administrativa que atualmente define entes paraestatais não abranges tais serviços.

É o princípio da tipicidade que sustenta a segurança jurídica que deve respaldar a aplicação da norma penal. Nesse sentido, ampliar o espaço interpretativo da norma para incluir as entidades do Sistema “S” na definição de entidades paraestatais configuraria ofensa direta e irremediável a este princípio.

Além disso, expandir o conceito também ofenderia a própria intenção legislativa, uma vez que, se a pretensão do legislador fosse estender aos serviços sociais autônomos a previsão legal de aplicação da norma penal do §1º, do art. 327, do CP, o legislador teria feito de forma expressa, como o fez em relação às fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.

A interpretação e ampliação da lei somente deve ser considerada nos casos em que houver indeterminação semântica dos enunciados, o que não ocorre na espécie. No caso, deve ser aplicado o princípio da tipicidade cerrada, pois os conceitos trazidos pela lei administrativista que define as hipóteses de equiparação com os servidores públicos são hígidos e expressos em lei administrativa.

Compreende-se, assim, por ente paraestatal as fundações públicas de direito privado, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, conforme preceitua expressamente o § 1º, do art. 84, da lei de normas gerais de Licitações Públicas.

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CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Tratado de direito administrativo. Vol. II. 3ª edição. Livraria Freitas Bastos. Rio de Janeiro/São Paulo, 1956.

CRETELLA JÚNIOR, José. Administração indireta brasileira. Editora Forense. Rio de Janeiro, 1980.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, e MOTTA, Fabrício. Tratado de Direito Administrativo. Vol. 2. Administração Pública e Servidores Públicos. 2ª edição. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2019.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 33ª edição. Ed. Atlas. São Paulo, 2019.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35ª edição. Malheiros Editores. São Paulo, 2003. 

SOUZA, Ruy. Serviços do Estado e seu regime jurídico, Revista de Direito Administrativo — RDA, Rio de Janeiro, v. 285, 1952.