Os Serviços Sociais Autônomos foram criados no Brasil por meio de legislação específica que conferiu, a cada um dos entes, a missão constitucional de prestar serviços sociais (art. 6º da Constituição) em favor de determinado setor, de determinados trabalhadores ou, ainda, da sociedade em geral, especialmente na promoção e indução ao emprego.
Decerto, os serviços sociais autônomos a cada dia ganham em relevância para a sociedade brasileira e, hoje, no âmbito federal, por exemplo, compõem essa forma de organização o Serviço Social da Indústria (Sesi), o Serviço Social do Comércio (Sesc), o Serviço Nacional de Aprendizagem da Indústria (Senai), o Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), o Serviço Nacional do Transporte (Sest), o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) e o Serviço Nacional de Aprendizagem das Cooperativas (Sescoop).
Nessa senda, são hoje aproximadamente 1.100 unidades operacionais dessas nove entidades do Sistema S citadas com capilaridade amplamente nacional, isto é, em todas as unidades da federação existe pelo menos uma unidade de cada um dos sistemas sociais citados. Só o Sesc São Paulo tem 44 unidades operacionais com atendimento de 30 milhões e 700 mil pessoas nessas unidades apenas em 2019.
Sobre os objetivos das entidades, ao Sebrae, por exemplo, compete planejar, coordenar e orientar programas técnicos, projetos e atividades de apoio às micro e pequenas empresas, em conformidade com as políticas nacionais de desenvolvimento, particularmente as relativas às áreas industrial, comercial e tecnológica. Nesse sentido, a entidade coordena e orienta programas técnicos, projetos e atividades de apoio às micro e pequena empresas, de acordo com as políticas nacionais de desenvolvimento.
Desse modo, invariavelmente, as sucessivas leis que autorizaram, instituíram ou criaram os serviços sociais autônomos, vêm veiculando disposições concretizadoras dos direitos sociais assistenciais, ligadas ao desenvolvimento de categorias profissionais ou econômicas específicas, ou, ainda, de políticas públicas fundamentais ligadas à geração de emprego e a promoção da saúde.
Assim, todos os serviços sociais autônomos estabelecidos na ordem jurídica brasileira buscam garantir o acesso dos direitos sociais atualmente previstos no artigo 6º, da Constituição Federal.
Decerto, o art. 6º da CF estabelece como direitos sociais “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. Já o art. 203, III, da CF dispõe que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos a promoção da integração ao mercado de trabalho.
Nesse rumo, a Lei nº 8.742/93, que dispõe sobre a organização da assistência social no Brasil, prevê que os objetivos são a proteção social, a promoção da integração ao mercado de trabalho, a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, a vigilância socioassistencial e a defesa dos direitos sociais dos brasileiros. Assim sendo, os serviços sociais autônomos, na qualidade de entidades de assistência social criadas por lei, fazem jus ao recebimento das contribuições que lhes são destinadas para concretizar os direitos sociais especificados na Constituição e na legislação de sua criação.
A prestação desses serviços não decorre da lei ou do decreto que instituiu cada ente, mas sim da consecução dos objetivos fundamentais da República (art. 3º da Constituição), especialmente o de garantir o desenvolvimento nacional (art. 3º, inc. II, da CF) e de reduzir as desigualdades sociais (art. 3º, inc. III, da CF). Ademais, a atividade das entidades do Sistema S estão diretamente afetas à implementação dos direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição (educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção, à maternidade e à infância e à assistência) e da assistência social, prevista no art. 203 da Constituição.
Assim, a Medida Provisória nº 932/2020, ao reduzir em 50% (cinquenta por cento) as alíquotas das contribuições sociais destinadas a essas entidades acaba por violar frontalmente os arts. 3º, 6º e 203 da Constituição, porquanto prejudica desproporcionalmente atividades sociais que visam exatamente o “suposto” objeto da norma provisória que é a promoção do emprego. Essa desoneração da folha de pagamento apenas para os serviços sociais autônomos é medida inócua já que, ela mesma, prejudica abusivamente os serviços que tem por norte garantir a manutenção da produção e emprego na sociedade brasileira e, que devido ao desaquecimento da economia, já estão trabalhando com cerca de 30% da sua arrecadação ordinária e, ainda, não há pertinência temática, inviabilizando a continuidade da prestação de serviços sociais de excelência que contribuem para o desenvolvimento econômico do país.
Além disso, o próprio Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) já demonstrou através de diversas pesquisas técnicas que a desoneração da folha no Brasil não gera efeitos positivos na demanda por trabalho e, mais, no caso estudado, faz com que as próprias entidades do S que são as instituições que mais empregam proporcionalmente no Brasil (recursos recebidos x número de funcionários) pelo seu amplo espectro e fundamento social também tenham que demitir centenas de funcionários.
Mas não é só.
Da leitura da norma constitucional do art. 149 da Constituição Federal, elenca-se três modalidades de contribuições: as sociais, as de intervenção no domínio econômico e as de interesse de categorias profissionais ou econômicas. Referidas contribuições possuem natureza jurídica tributária autônomas, diferente de impostos, taxas, contribuições de melhoria ou empréstimo compulsório. Outra característica singular dessas contribuições é a destinação da sua arrecadação, pois, nem sempre, é destinada ao Estado, mas, também, a pessoas jurídicas que não integram, diretamente, a estrutura administrativa estatal como as autarquias e as entidades privadas que colaboram com o Poder Público.
A natureza das contribuições tributárias que financiam o sistema S, o qual existe como instrumento para a concretização de direitos sociais, exige um cuidado maior ao se lidar com os recursos recebidos pelas entidades do serviço social autônomo. Por certo, o caráter finalístico é elemento que diferencia as contribuições sociais de outras espécies tributárias e, ao mesmo tempo, determina a destinação a ser dada ao produto das arrecadações.
Se o art. 149 da Constituição Federal prevê a possibilidade de a União instituir contribuições para a garantia de direitos sociais, por exemplo, a instituição desse tributo tem que ser destinada ao seu desiderato, em regra, sob pena de se retirar a lógica normativa do texto constitucional.
Esse argumento da finalidade das contribuições sociais encontra validade jurídica na estrutura desses tributos dentro da Constituição Federal, porquanto o art. 149 da CF vinculou expressamente a instituição de contribuições para as áreas para as quais foram criadas, mediante a utilização da expressão “como instrumento de atuação nas respectivas áreas”, ou seja, como meio de atuação nas áreas sociais, de intervenção de domínio econômico e de categorias profissionais ou econômicas.
Decerto, o artigo 149 da Constituição Federal prevê a competência tributária privativa da União Federal para “instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”. Acerca das contribuições de seguridade social, o artigo 195 dispõe que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais a que alude o dispositivo.
Por sua vez, o artigo 240 da Carta Magna esclarece que as contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, não se incluem naquelas listadas no citado artigo 195. Assim, a alteração da destinação das contribuições do sistema S representa uma violação à finalidade das contribuições sociais, prevista nos arts. 149 e 240 da Constituição.
Por fim, o aumento exacerbado de 100% da taxa de retribuição da Receita Federal do Brasil para arrecadação das contribuições do S configura nítido confisco, pois representa uma interdição desproporcional ou injusta apropriação estatal, comprometendo-se de forma abusiva ainda mais as atividades sociais das entidades, ou seja, configura-se confisco o injustificado aumento em dobro da retribuição a ser paga à RFB pelos mesmos serviços administrativos prestados há anos às entidades sociais.
Nesse contexto, entende-se que a Medida Provisória nº 932/2020, diante dos óbices constitucionais materiais, traduzidos na violação aos arts. 3º, 6º, 149, 150, IV, 203, III, e 240 da Constituição, não passa igualmente pelo crivo da razoabilidade que condiciona a análise dos atos estatais.